A HUMANIZAÇÃO NO MEU COTIDIANO.

A HUMANIZAÇÃO NO MEU COTIDIANO.

 

Fausto Jaime

 

 

A palavra homem, do latim homo, vem de húmus, que significa terra fértil. Origem semelhante tem a palavra Adão, de Adam, do hebraico, que significa “criatura humana feita de terra”, que provém de adamá, que significa mãe-Terra. Homo/húmus, Adam/adamá, são palavras que apontam para a estreita relação do ser humano para com a Terra e através da Terra para com os seres vivos e todo o universo. Humanização é o ato ou efeito de humanizar-se. Humanizar é tornar humano; dar condição humana a; humanar; ou ainda, tornar benévolo, afável, tratável, bondoso, nesse sentido, humanitário.

Mudanças fundamentais no modelo assistencial em saúde, pressupõem mudanças globais, sócio-econômicas, políticas e culturais. A saúde se enquadra na dimensão de uma ordem social justa, igualitária, participativa e pacífica. A saúde corporal e mental está subordinada à saúde do corpo social e político. No entanto, não podemos esperar estas mudanças globais para dar a nossa contribuição. Cada um de nós é chamado a fazer a sua revolução molecular. Nesse sentido é interessante o desafio de se pensar a humanização em nosso cotidiano.

Cada molécula garante a sua subsistência interagindo com o meio. Cada um de nós deverá operar as mudanças onde se encontra, em interação com o meio ao seu alcance. Devemos ser criativos e alternativos onde podemos expressar nossas potencialidades. Devemos deixar nascer o novo ser humano, diferente, solidário, em ação comunicativa, unidos na construção de um destino comum. Deveremos evoluir para um novo paradigma assistencial que permitirá a continuação do experimento homo num sentido mais profundo e mais profícuo do que já vivemos até hoje.

A essência do ser humano não se encontra tanto na inteligência e no conhecimento, nem mesmo na criatividade e na liberdade. O que a vida humana possui de mais fundamental é o cuidado e a com-paixão. O cuidado é o suporte da inteligência, do conhecimento, da criatividade e da liberdade. No cuidado, podemos identificar os princípios, os valores e as atitudes que podem fazer da nossa vida “um pleno estado de bem-estar físico, mental e social”, ou seja, a conquista da saúde integral. O cuidado é, portanto, essencial. Se essencial, não pode ser descartado. Sempre que possível, deverá irromper em algumas brechas de vida.

Os valores estruturantes de um sistema de saúde ideal se construirão ao redor do cuidado com as pessoas. O cuidado deverá ser assumido como ethos fundamental do sistema de saúde e de todos os cuidadores, os profissionais de saúde atuantes nesse sistema. Ethos, do grego “toca do animal”, ou “casa humana”, é o conjunto de princípios que regem, transculturalmente, o comportamento humano para que seja realmente humano no sentido de ser consciente, livre e responsável. Através do ethos, poderemos construir pessoal e socialmente o habitat humano e, conseqüência um sistema de saúde verdadeiramente regido pelos princípios de universalidade, integralidade e eqüidade.

Devemos ser sementes dessa nova realidade a ser construída. Esse nosso papel seminal deve ser fundado em um novo paradigma da re-ligação de tudo com todos e de com-paixão pelos que sofrem. Essa semente deverá inaugurar uma nova ternura para com a vida. Todos nós deveremos nos tornar aprendizes e aprendentes dessa nova ótica e, de conseqüência, dessa nova ética do cuidado. A ética do cuidado permitirá uma nova convivência entre os humanos e uma nova relação dos cuidadores com aqueles que sofrem agravos da saúde. Esse ethos, essa nova modelação da casa humana, deverá assumir a forma de normas morais concretas, com explicitação de valores, atitudes e comportamentos práticos.

Qual será essa ótica? De que ética precisamos? Qual será essa dimensão seminal do humano, capaz sustentar um sistema de saúde equânime, integral e universal? Realmente necessitamos de uma ética que se opõe à falta de cuidado, ao descuido, ao descaso e ao abandono? O que se opõe ao descuido é o cuidado. Cuidar é muito mais do que um ato, é mais do que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Cuidar é uma atitude. O cuidado significa uma atitude de envolvimento afetivo com o outro, uma atitude de preocupação, de ocupação e de responsabilização. O cuidado é ainda algo maior do que ato e atitude. O cuidado é um modo-de-ser essencial. O cuidado é uma dimensão originária, ontológica, fontal. O cuidado é parte constituinte da natureza humana. O cuidado é um fenômeno existencial básico, sem o qual deixamos de ser humanos. No cuidado, devemos identificar a essência fontal do ser humano.

O fundamento originário do ser humano não é o logos, a razão, as estruturas de compreensão, mas o pathos, o sentimento, a capacidade de empatia e de simpatia, a dedicação, a comunhão com o diferente e o cuidado. O que predomina é a lógica do coração. O que devemos resgatar em nossa prática cotidiana e em nossa reflexão é a centralidade do sentimento, da lógica do coração, da importância da ternura, da compaixão e do cuidado. É importante colocar o cuidado em tudo o que fazemos, desenvolver a nossa capacidade de sentir o outro, de ter compaixão de todos os seres que sofrem, de sermos solidários. Importa, ainda, atender a lógica da cordialidade e da gentileza. Devemos promover um abraço entre o logos e o pathos. Da combinação de nossos cérebros e corações nascerá o cuidado. Do binômio tecnologia e humanização nascerá a adequada assistência à saúde.

  

Sobre Fausto Jaime

Médico, professor e gestor público, vice-presidente do Sindicato dos Gestores Governamentais, membro fundador do Partido dos Trabalhadores. Mestre em Saúde Coletiva, Doutorando em Bioética.
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Uma resposta para A HUMANIZAÇÃO NO MEU COTIDIANO.

  1. Ótimo texto sobre humanização!

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